Juan Gabriel Vásquez: "A literatura não muda o mundo, mas muda as consciências."

O escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez acredita que a literatura é "uma espécie de rebelião" contra as tentativas dos que estão no poder de impor sua narrativa à sociedade e, embora "não mude o mundo, muda as consciências".
Em entrevista concedida em Santo Domingo, onde participou da primeira edição do Festival Mar de Palavras, Vásquez afirma que, embora a literatura não tenha um impacto direto na situação mundial , "ela muda as consciências, muda o indivíduo" e isso, "em seu papel cívico, incide na vida política de um país ".
"A vida política é sempre, sempre uma tentativa do poder, essa entidade abstrata que chamamos de poder, de impor uma narrativa às sociedades , vemos isso o tempo todo (...) Quanto mais autoritário se torna o tom do poder político, mais inescrupuloso ele é em sua tentativa de impor sua verdade", diz o autor de El ruido de las cosas al caer (2011).
E neste ponto, a literatura se apresenta como "uma espécie de rebelião contra essa posição", como "uma dissidência", como "uma maneira que nossas sociedades têm de levantar as mãos e dizer aos que estão no poder: 'vocês estão mentindo', 'vocês estão esquecendo disso'", acrescenta.
Para Vásquez, “ a literatura é um aparato de ficções , que são como mecanismos de defesa que a sociedade tem para neutralizar as mentiras que vêm de fora”.
Assim como o título do livro, ele considera importante "olhar para trás" porque, como disse Carlos Fuentes, "não há futuro vivo com um passado morto" : "As sociedades latino-americanas precisam revisitar constantemente o nosso passado para defendê-lo de versões tendenciosas, mentirosas e distorcidas e, de alguma forma, retomar o controle da narrativa do passado para nós, os cidadãos. Essa é uma das coisas que a literatura faz."
Escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez. EFE/Mariano Macz
Questionado sobre a situação na Colômbia e o recente ataque ao candidato presidencial Miguel Uribe Turbay, Vásquez não está claro se a história está se repetindo ou "se é a mesma história que continua", já que esse ataque, "deplorável e repreensível de qualquer ponto de vista", inevitavelmente o lembra de ações semelhantes com as quais ele cresceu.
Essas situações fazem parte de " uma Colômbia que pensávamos ter deixado para trás , e o fato de esses crimes estarem retornando é profundamente preocupante e mais uma evidência do tipo de desintegração da sociedade colombiana que estamos testemunhando", lamenta.
Em sua opinião, " estamos vivendo em certo sentido a consequência de nunca termos fechado definitivamente as feridas da violência anterior (...) Estamos testemunhando a oportunidade desperdiçada de acordos de paz bem-sucedidos", aqueles assinados em 2016 entre o Governo e o grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) para encerrar meio século de conflito.
Mas as críticas e os ataques a esses acordos por parte de um segmento da comunidade política "acabaram minando seu poder, semeando a desconfiança entre os cidadãos e, portanto, não conseguimos implementá-los integralmente. Esta é uma oportunidade perdida para a Colômbia."
Escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez. EFE/Mariano Macz
No âmbito latino-americano, Vásquez acredita que os países "estão passando por um momento difícil de ruptura do diálogo entre os cidadãos , de ruptura da conversa política" e "são necessários novos acordos sociais, novos contratos sociais. Mas não vejo muita vontade (...) são sociedades terrivelmente polarizadas que não conseguem encontrar uma maneira de curar as feridas", de estabelecer o diálogo.
Para Vásquez, o romancista e o jornalista são "duas maneiras muito diferentes, quase opostas, de olhar o mundo" : o cronista escreve porque "tem breves certezas, porque vê algo que considera necessário dizer ou sobre o qual não pode se calar", e o romancista "escreve porque não sabe, escreve a partir do sentimento de ignorância, de que o mundo é complexo, é muito mais complexo do que pensávamos. Está cheio de lugares obscuros, de contradições, de ambiguidades. E o romancista escreve a partir dessas incertezas, a partir de perguntas".
No seu caso, como escritor, ele tenta em seus romances fazer uma espécie de reparação da relação com “o mundo que nos cerca , com a sociedade em que vivemos, com o passado, que é tão importante para entender onde estamos e saber para onde vamos”.
Escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez. EFE/Mariano Macz
Uma de suas "obsessões" como romancista é o exame do passado , "daquele lugar onde as forças políticas, da história, as forças sociais entram na vida íntima dos personagens".
É isso que sempre lhe interessou tratar em suas obras, e “as que virão também falarão desses lugares que chamamos de passado, que chamamos de história”, conclui o autor de Los nombres de Feliza (2025) e La forma de las ruinas (2015).
Clarin